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Artigo: “O teorema do saneamento”, de Álvaro Menezes, diretor nacional da ABES

Por Álvaro Menezes, diretor nacional da ABES e consultor em saneamento

Leia a análise do especialista sobre o cenário do saneamento no Brasil nos últimos 45 anos.

Das definições dadas para um teorema, a de que ele é uma afirmação importante derivada de proposições demonstradas a partir de outras afirmações, pode ser utilizada para imaginar, do PLANASA-Plano Nacional de Saneamento, 1971, ao PLANSAB-Plano Nacional de Saneamento Básico, 2013, que as Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESB), poderiam representar a essência de um teorema do saneamento.

A pergunta que se faz é se este teorema precisa ser revisto na sua origem ou apenas no contexto atual? Nos anos setenta, século passado, o PLANASA propôs elevar o atendimento com água e esgoto nas áreas urbanas para 80% e 50%, prevendo chegar a 90% e 65% para as populações totais, respectivamente, em 20 anos. O censo de 1970 informava que nas áreas urbanas, 26,7 milhões de brasileiros eram abastecidos com água potável e 10,1 milhões servidos pela rede de esgotos.

Em 1985, a Pesquisa Nacional de Domicílios do IBGE, assinalava que 82,8 milhões de brasileiros ou 87% da população urbana eram abastecidos com água potável, ressaltando-se que o esgotamento sanitário evoluiu pouco. O que representava o teorema do Saneamento então era uma equação de primeiro grau com uma incógnita que era obrigatoriamente as CESBs. Elas eram o resultado único e esperado para solucionar a grave situação naquela época. Ou seja, sem elas não seriam, como foram, melhorados os serviços. Estes resultados tiveram origem no plano estratégico definido pelo Governo Federal que entendeu e assumiu que sistemas isolados como existiam então, não se viabilizavam para sustentar investimentos e operação de novos sistemas de água e esgotos.

Desta forma, o Governo Federal assumiu a missão de criar e implantar um modelo de gestão diferente baseado em um Sistema Financeiro de Saneamento-SFS, com Fundos Financeiros Governamentais, usando o Banco Nacional de Habitação-BNH que centralizava o acompanhamento da gestão das metas estabelecidas controlando os financiamentos, desde a captação até a aplicação e para atuar como agente executivo da política de redução dos déficits de forma eficiente e sustentável, foram criadas as CESBs como empresas públicas de direito privado, com seu empregados regidos pela CLT, como em qualquer empresa privada, e podendo ter acionistas. Definiu também, objetivamente, que só teria acesso a recursos financeiros do SFS quem aderisse ao PLANASA, fazendo com que a antiga F-SESP tivesse um relevante papel no fortalecimento de autarquias municipais, conseguindo sustentabilidade em umas e colhendo insucessos em outras.

Naquela ocasião também se definiu como meta o “déficit zero”, algo como a afirmação maior do teorema de então que seria o resultado final daquela proposição. Em 1985, porém, o teorema já mostrava certa incoerência porque a extinção do BNH provocou uma crise de identidade nas CESBs que sem a referência “regulatória” e institucional do BNH, se viram totalmente nas mãos dos Governos Estaduais, lamentavelmente tendo que se reconhecer que estes em geral, passaram a usar as CESBs como “ativos eleitorais” privilegiados, já que por serem empresas, tem mais autonomia que órgãos da administração direta.

Pensando num teorema para o saneamento, pode se considerar que o “déficit zero” é a “universalização”, entretanto, as definições que ainda servem de referência para sustentar o teorema da época do PLANASA precisam ser revistas com urgência e algumas reformuladas. Entre elas, com base no que acontece desde 1995, pode se afirmar como um lema, que as Companhias Estaduais não são mais as únicas formas de gerenciar um modelo de eficiência e sustentabilidade para alcançar a universalização; que é preciso ter um órgão institucional e tecnicamente forte no Governo Federal para coordenar a estratégia de universalização, entendendo e atuando conforme o regionalismo, afinal, atingir 100% em água e esgoto no Sul e Sudeste é mais simples que fazer o mesmo no Norte e Nordeste; que é preciso rever a possibilidade da formação de fundos para financiar a melhoria do atendimento com base em critérios sociais e geopolíticos; que é preciso fortalecer o PLANSAB e criar mecanismos de gestão e financeiros que possam tornar viável e sustentável a universalização seja com operadores privados ou públicos; que a regulação dos serviços é essencial para garantir a justiça no valor das tarifas e o adequado uso de subsídios reais e transparentes.

Hoje é necessário descobrir o teorema da universalização sem impor uma equação de resultados pré-determinados, formulando uma inequação que limite resultados a partir de variáveis legais, politicas, sociais, de saúde pública, tecnológicas, ambientais, de recursos hídricos, econômicas e outras que possam derivar das características de cada local. Não é complexo, porque as variáveis estão disponíveis no Brasil podendo ser obtidas do trabalho de cada tipo de prestador de serviços. É difícil, porque mesmo com as mudanças que vem ocorrendo desde 1995 com privados no setor, há uma reação a encontrar  o modelo que seja adequado a cada local ou região. O fato é que passados 45 anos (SNIS 2016), o percentual de atendimento com água e esgoto nas áreas urbanas respectivamente é de 93% para água e 59,7%, se considerar apenas as CESBs os valores são 90,5% e 51,5%. Avanço em esgoto, mas muito pouco em água. Dá para continuar assim?

 

*Artigos assinados são responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, a opinião da ABES.

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