Por Álvaro Menezes, diretor nacional da ABES e consultor em saneamento
Leia a análise do especialista sobre sobre desestatização no saneamento.
Em 2017 o BNDES lançou o PPI – Programa de Parcerias para Investimentos, com objetivo também de possibilitar a desestatização no setor de saneamento. A desestatização definida por estudiosos e legisladores é, de modo objetivo, afastar o Estado de atividades constitucionalmente reservadas a iniciativa privada, algo que pode se definir como atividade inerente ao princípio da livre iniciativa. Entre as formas de desestatização há a privatização, a concessão e a permissão, e a terceirização.
Aqui, surgem algumas confusões no setor de saneamento provocadas por suas características legais, sociais e ambientais, além de atitudes e interesses ideológicos, posturas corporativistas, mero ativismo politico partidário, uso de poder económico, ignorância assumida e outras mais.
A primeira delas, alimentada com os mesmos nutrientes desde a década de noventa, considera que a desestatização é o mesmo que privatização. Constitucionalmente, o responsável pelos serviços de saneamento no Brasil é o Município e a lei nº 11.445/2007 com seu decreto de regulamentação, deixam claro que este ente tem obrigações que vão do planeamento – indelegável – à operação dos serviços que pode ser delegada a outrem.
Ou seja, privatização pouco se aplica ao setor de saneamento. Pode haver concessão, subconcessão, terceirização e até permissão nos limites estritos de situações muito especiais. A outra confusão tão antiga quanto a primeira, ressurge com o nome de “remunicipalização” que é mero jogo de palavras, pois na verdade pode significar tão somente a extinção de um contrato com prestador de serviço público ou privado, passando o Município a operar os serviços que nunca deixou de ser público e municipal. O Município, nunca se afastará de ter que planear, fiscalizar e controlar a operação do serviços de saneamento, os quais são uma das vária atividades fins do poder público.
Por sua vez, um operador privado ou uma companhia estatal de saneamento, poderão ser instrumentos gerenciais e operacionais pelos quais se executará o que deveria ser planeado pelo município e comprometido nos contratos de concessão ou programa. Enquanto se gasta competência e dinheiro com programas e termos, se perde com a indefinição de medidas que permitam encontrar soluções para populações desassistidas por água e esgoto ou com o alcance das metas reais de universalização por meio de serviços prestados de forma eficiente, com qualidade e para todos.
Discutir modelos com o intuito de salvar prestadores públicos ou de inserir a iniciativa privada apenas como fonte de investimentos é maltratar a sociedade. Em 1971 com o PLANASA, havia razões para impor um modelo diante do déficit acentuado de abastecimento de água e de esgotos. Este modelo necessita de ajustes depois de quase 50 anos de bons usos e graves abusos. Hoje, já há avanços tanto nos índices de atendimento como nos modelos de gestão, que precisam ser analisados a partir das realidades locais e suas condições de dar sustentabilidade a modelos gerenciais que levem ao alcance da universalização possível e responsável.
Para o setor de saneamento, a desestatização não pode representar uma forma do Estado ou Município ganharem dinheiro ou se desobrigar de atividades constitucionais, nem se compara a desestatização no setor de rodovias, aeroportos, telecomunicações ou energia elétrica. O desafio de substituir companhias estaduais de saneamento ineficientes e insustentáveis como empresas, requer a construção de um modelo em que antes de tudo, a regulação seja bem fundamentada para que o futuro prestador de serviços cumpra o que está nos Planos Municipais de Saneamento e nos contratos.
Aliás, a regulação eficiente e autónoma, por si só, já separaria com clareza o joio do trigo e seria mais fácil substituir companhias estaduais ineficientes por outros operadores mais capazes na gestão de planeamentos, investimentos e serviços, se houvesse de fato regulação independente no Brasil.
* Álvaro José Menezes da Costa é engenheiro civil graduado pela UFAL (Universidade Federal do Estado de Alagoas), Mestre em Saneamento e Recursos Hídricos e especialista em Aproveitamento de Recursos Hídricos pela UFAL e Avaliação e Perícias de Engenharia pela UNIP – Universidade Paulista. É Diretor Nacional da ABES-Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental desde 2016. É consultor e diretor geral na Álvaro Menezes Engenharia & Consultoria – AMEC. Foi engenheiro e gestor público no setor de saneamento durante 30 anos na CASAL-Cia. de Saneamento de Alagoas e na COMPESA-Cia. Pernambucana de Saneamento. É autor de livros, capítulos de livros na área do saneamento ambiental e colunista na imprensa brasileira. É Membro da Academia Nacional de Economia.
Publicado originalmente no Portal Ambiente Online
*Artigos assinados são responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, a opinião da ABES.
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