A ABES vem mais uma vez defender que a universalização do atendimento com serviços de saneamento de qualidade seja o centro dos esforços de desenvolvimento do setor e de discussão de seu marco regulatório, e não a defesa de interesses menores que leve à desorganização e à insegurança jurídica, que é, infelizmente, o que se apresenta no Projeto de Lei 3261, na forma como foi aprovado no dia 30 de outubro pela Comissão Especial da Câmara de Deputados.
Como temos sempre defendido, o alcance da universalização se dará pela junção do planejamento e da promoção da eficiência, utilizando o que de melhor há nos setores público e privado. A ação coordenada poderá suprir os déficits de atendimento, sem cair na armadilha das falsas soluções simplistas.
É necessário ressaltar o que nem sempre é claro para os não especialistas, que os custos dos serviços são recuperados por tarifas pagas pela população, o que torna viáveis esses serviços em grande parte do país. Nessas áreas viáveis, o que importa são os melhores arranjos entre setor público e setor privado, que promovam as soluções mais eficientes. A pior alternativa para essas vastas áreas viáveis seria a venda dos segmentos rentáveis, com a consequente evasão dos recursos para fora do setor de saneamento. Em lugar de se promover a universalização se estaria promovendo o atraso.
Mas a universalização não depende somente da operação dos segmentos rentáveis. Há uma série de questões que os defensores de soluções falsamente fáceis não querem ver. A começar pela realidade dos enormes problemas urbanos das grandes metrópoles brasileiras, principalmente as áreas de favelas e ocupações irregulares, em que não são possíveis soluções simplesmente setoriais, ou seja, que se restrinjam aos operadores de água e esgotamento sanitário. Aí estão os maiores déficits urbanos de serviços. Para enfrentar essas situações exigem-se ações integradas, comandadas pelo Poder Público. A questão do atendimento às áreas irregulares está camuflada, e não foi ainda equacionada na regulação dos serviços.
Também nas áreas precárias das cidades estão os segmentos mais vulneráveis, que necessitam de subsídios, na forma de tarifas sociais.
Outra questão não resolvida, quando se desestrutura o sistema existente, é a dos pequenos municípios com serviços sem viabilidade econômica, que correm o risco de serem abandonados, ou passarem a onerar os orçamentos fiscais, pela falta de soluções de subsídio. O subsídio cruzado que hoje viabiliza a prestação de serviços em muitos pequenos municípios não é a melhor solução teórica, mas é um sistema provado, que vem funcionando. Mais uma vez, neste caso, arrisca-se a se promover um retrocesso em lugar de melhora.
Para não falar das comunidades isoladas e do saneamento rural, que estão ausentes de toda a discussão.
A ABES defende que o bom caminho é o de valorizar as experiências bem-sucedidas, e não desmanchar o que existe. A política de terra arrasada proposta pela versão aprovada do PL 3261 é francamente irresponsável, trazendo o risco de vazio e paralisia, pela insegurança jurídica. Se aprovado como está, com flagrantes dispositivos inconstitucionais e outros de aplicabilidade duvidosa, corre-se o risco de cair em um buraco negro de onde não sairá luz por muitos anos.
Além da inconstitucionalidade e dos erros jurídicos, a versão aprovada pela Comissão Especial chama a atenção pelo extremo autoritarismo. Nem no regime militar houve tentativa tão grave de concentrar poderes no Executivo Federal.
Paradoxalmente, o Governo Federal quer poderes extremos para, no mesmo processo, eximir-se das obrigações mais inerentes a sua natureza. O Governo Federal, em vez de usurpar as competências dos demais níveis de governo, será muito importante no esforço de alcançar a universalização de serviços de qualidade se cumprir suas obrigações, fazendo o planejamento que hoje não existe, implantando mecanismos de financiamento e de indução de eficiência que respeitem os entes federados e apoiando o processo regulatório que vem sendo construído no país desde a adoção da Lei 11.445.
A ABES reitera sua posição de, em lugar de enfrentamentos destrutivos e oportunistas, a discussão de como organizar o setor de saneamento no rumo da universalização se dê pela ação coordenada, que identifique as necessidades e combine as melhores experiências e capacidades nos setores público e privado para alcançar os objetivos.
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