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Brazil Water Week: “Devemos olhar para quem está ficando para trás”, diz Adriana Leles, coordenadora do tema sobre o ODS 6

Levar água e saneamento para todos é uma das metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6, que terá seus desafios e avanços discutidos em evento online, de 26 a 30 de outubro

Por Murillo Campos

Água e saneamento básico são direitos fundamentais à vida humana, reconhecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) e um dos compromissos assinados por 193 países na Agenda 2030 para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).  

Entretanto, a dez anos de conclusão das metas dos ODS, a universalização destes serviços ainda é um dos grandes desafios enfrentados não só Brasil, como no mundo. Estima-se que 2,2 bilhões de pessoas não tenham acesso à água de forma segura e 4,2 bilhões sofram com a falta de esgotamento sanitário, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). 

O assunto vem ganhando protagonismo nos últimos tempos, evidenciado pela pandemia do novo coronavírus, e será amplamente debatido na Brazil Water Week, evento realizado online de 26 a 30 de outubro pela ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental. As inscrições  para o mais importante evento sobre água realizado no Brasil estão abertas (acesse aqui).

A discussão fará parte do Tema 6 – Monitoramento e Informação do ODS 6, que abordará questões relacionadas à distribuição e qualidade da água, esgotamento sanitário e gestão de recursos hídricos, entre outros pontos.

Conversamos com Adriana Lagrotta Leles, umas das coordenadoras do tema, que explicou o que será apresentado nas sessões do evento, os desafios para o Brasil avançar no ODS 6 e as perspectivas para o alcance das metas nos próximos anos.

Leia a entrevista, a seguir:

ABES Notícias – Poderia nos contar um pouco sobre quais serão os principais pontos de discussão do Tema 6 – Monitoramento e Informação do ODS 6? O que se espera com esta discussão?

Adriana Lagrotta Leles – A Brazil Water Week está em toda sua concepção dentro do ODS 6. Estamos falando de um tema altamente relevante e precisamos estar alinhados aos compromissos dos ODS, assinados por 193 países e a dez anos de conclusão das metas. Nas nossas sessões, estamos focados em todos os pontos do ODS 6, relacionados ao saneamento básico, monitoramento, transparência e recursos hídricos, com palestrantes renomados e internacionais, que trarão um olhar importante sobre o tema.

ABES Notícias – A Agenda 2030 com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) foi aprovada durante Assembleia Geral da ONU em 2015. De lá para cá, houve avanços referentes aos objetivos do ODS 6?

Adriana Lagrotta Leles – O que temos hoje é aquela velha história que já conhecemos, o Brasil é um país complexo, com realidades distintas. Temos muitas informações, pessoas sérias trabalhando no desenvolvimento de indicadores e monitoramento, além de institutos, fundações e universidades. Então, conhecimento nunca faltou ao Brasil, mas temos dificuldade de entendimento e de vontade política. Tanto por isso, a nossa realidade não é igual.

Vemos avanços importantes em algumas áreas do País, principalmente, na questão de infraestrutura, mas temos ainda localidades que precisam de maiores investimentos, como a região Norte. Quando entendemos isso, passamos a olhar também outras coisas.

O Brasil ainda não tem o alcance do saneamento para todos, a água não chega de forma igualitária. Recentemente, o País entrou no debate sobre o marco regulatório e creio que uma das coisas mais importante que aconteceu nos últimos anos é o fato do tema saneamento ter passado a ser discutido de forma ampla. Ele saiu dos escritórios de engenharia, das companhias de saneamento, dos gabinetes políticos e invadiu a casas das pessoas, porque nem todos os lugares recebem tratamento do esgoto, nem todos têm abastecimento de água.

A imprensa também está falando mais do saneamento, com maior conhecimento e profundidade, especialistas têm abordado o tema frequentemente, então o assunto está mais popularizado. Acredito que a discussão é um ganho importante para nós. Até 2010, falávamos pouco, agora falamos mais e de forma muito mais gritante, as pessoas estão mais militantes no tema.

O ODS 6 é uma plataforma universal e foi construído em consulta pública ampla, inclusive, a Sanasa [Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento de Campinas/SP] onde eu trabalho, foi ouvida. Foram feitas sessões com stakeholders e organizações de todo o mundo. O importante era ouvir todos para construção dos ODS. Ali, o ODS 6 aparece como estruturante na primeira análise, entendendo que sem o alcance deste ODS os demais não seriam alcançados, por exemplo, erradicação da fome, enfrentamento da pobreza, cidades sustentáveis e mudanças climáticas, estão todos impactados pelo ODS 06.

Vejo que uma das grandes colaborações dos ODS foi mapear os temas relevantes, inserir a sociedade nesta construção e, isto, estar totalmente conectado.

A mandala dos ODS não é da ONU, então quando a organização lançou os objetivos, ela tinha como meta popularizar o tema e isto aconteceu. Temos o tema sendo tratado em um evento da ABES, mas ele pode ser discutido também em debates de academias, ONGs, iniciativas privadas, todos estão falando a mesma língua com o mesmo interesse de melhorar as condições de vida das pessoas, sem deixar ninguém para trás.

Entende-se que com uma colaboração conjunta, com todos olhando para o mesmo objetivo, poderemos ter um movimento único de transformação.

ABES Notícias – Na sua avaliação, é possível proporcionar o acesso à água potável para todos até 2030? Quais os desafios para alcançar este objetivo?

Adriana Lagrotta Leles – Principalmente, devemos olhar para quem está ficando para trás. E muitos estão ficando. Isso é um retrato não só do Brasil, mas do mundo, temos mais de dois bilhões de pessoas que não têm acesso ao esgotamento sanitário.

O Brasil está fazendo agora uma aposta importante por meio do novo marco regulatório, sancionado recentemente. Ele traz temas como gestão das empresas de saneamento, qualidade de tratamento, infraestruturas e investimentos. Então, vejo que temos alguns desafios e várias expectativas.

A pergunta que fica é: vai chegar realmente onde as pessoas estão sendo deixadas para trás? A sociedade precisa se mobilizar para isso. Organizações como a ABES, realizando um evento desta dimensão e importância, trazendo palestrantes respeitados, é uma oportunidade única para avançarmos nesta pauta. Precisamos compartilhar ideias, experiências e reflexões que impactem e colaborem para o avanço do saneamento.  

ABES Notícias – Qual é o impacto da pandemia do novo coronavírus neste processo?

Adriana Lagrotta Leles – A pandemia nos preocupa muito, principalmente, em relação à questão de deixar as pessoas para trás. Há lugares que não têm acesso à água, mesmo sendo em regiões metropolitanas, pois as empresas não estão levando o abastecimento. Elas dizem que não podem abastecer, porque não tem garantia legal e, não é assim, a Constituição nos assegura disto. Sei de empresas de saneamento, como a Sanasa, que abastecem populações moradoras de favelas e áreas de ocupação com base na própria Constituição Brasileira no direito à saúde e bem-estar social. Portanto, é possível oferecer estes serviços.

Precisamos olhar que nestes lugares as populações não têm água de qualidade para beber nem fazer sua própria higiene. Esse é um grande impacto, a questão do saneamento como saúde pública. Outra pergunta é o quanto as empresas vão investir na melhoria do tratamento de esgoto e da qualidade água. Elas têm esse papel de melhorar cada vez mais estes serviços, utilizando tecnologias, conhecimentos e pesquisas cientificas.

Agora um agravante da pandemia, é que nós já estamos enfrentando as mudanças climáticas. Vejo que a pandemia é uma crise dentro de outras que teremos a partir de agora, porque as mudanças climáticas estão acontecendo. Este ano tivemos menos chuvas neste período, tanto que vemos o quanto o ar está seco, impactando em queimadas. Estamos avistando possivelmente uma nova crise hídrica, isso afeta o saneamento, pois o custo de operação fica mais complexo. É uma dificuldade que está chegando à nossa porta.

Por isso, precisamos ter um olhar crítico de como estamos construindo nossas políticas públicas, priorizando nossos investimentos e a participação da sociedade é fundamental.

Portanto, um evento como da ABES é altamente relevante, se posiciona para ser um dos maiores encontros e, mesmo não podendo nos reunir, a organização se engajou para realizar de forma online, o que facilita o acesso das pessoas, que podem participar de qualquer parte do mundo. Esse tipo de iniciativa é o que faz toda a diferença.

ABES Notícias – Qual é o papel da sociedade e como ela pode ajudar no alcance do ODS 6?

Adriana Lagrotta Leles – Acredito que as pessoas entenderam que saneamento é parte da nossa vida. Não só isso, estamos num momento em que as pessoas estão debatendo e se posicionando mais, as redes sociais colaboraram nisto. É tudo mais agilizado e rápido, as pessoas têm acesso às informações de forma instantânea e cobram por seus direitos.

A Sanasa tem um programa importante chamado PAS (Programa de Ação Sustentável) que leva água aos moradores de favelas e áreas de ocupação até a definição de posse, com acompanhamento, inclusive, da Secretaria de Habitação. E o que eu ouço das assistentes sociais é que quando isto acontece as pessoas ganham dignidade, porque ao fazer a ligação individual, a pessoa passa a ter uma conta e um endereço, fundamental até para conseguir um trabalho.

O saneamento é um dos instrumentos mais poderosos que temos no Brasil para todos caminharem no mesmo movimento, juntos. Ele nivela todo mundo. Não há tratamento diferenciado pelo quanto você pode pagar. Isso é um direito humano. Temos muitos desafios, mas temos um horizonte imenso para avançarmos.

ABES Notícias – Como o debate proporcionado pela Brazil Water Week poderá agregar nas discussões sobre o tema?

Adriana Lagrotta Leles – A Brazil Water Week é altamente relevante. A ABES é uma entidade séria, onde participam especialistas, pesquisadores e empresas comprometidas com o saneamento. A entidade promoverá um evento desta magnitude com especialistas internacionais, que poderão abrir caminhos e trazer inputs para elevar o debate. Ainda mais agora, que estamos numa pandemia, estamos vivendo as mudanças climáticas e temos o novo marco regulatório.

Então, a ABES consegue trazer todos estes temas para esse momento. A construção deste evento é uma discussão muito ampla, as sessões são desenvolvidas com grupos de especialistas que debatem em conjunto para conseguir apurar e entender o que é relevante para a sociedade. Isso é sensacional.

ABES Notícias – O que o público pode esperar?

Adriana Lagrotta Leles – O público possa esperar um grande evento. Apesar de não estarmos juntos, estaremos conectados. Acredito que quando passamos por uma experiência para ganhar conteúdo, temos que trazer junto a crítica, pois ela fortalece o conhecimento. Então, leia, descubra o assunto, identifique uma sessão onde o tema em debate traga caminhos para a realidade em que você está vivendo.

Procure saber sobre os palestrantes, ganhe competências do assunto e leve isto de volta para a sua comunidade. Temos a oportunidade de aplicar o conhecimento depois. Por exemplo, tem lugares que estão trabalhando na reformulação e restruturação do seu sistema de indicadores para monitoramento e tomada de decisões e temos este assunto nas nossas sessões. Então, participe com criticidade e conecte à sua realidade.

 

 

 

 

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